Influencers mirins: uma infância muito diferente da sua

jun 28, 2021 | Educação & Tecnologia

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Pesquisas indicam que o Brasil está entre os países que mais consome vídeos nas redes sociais, sendo boa parte do conteúdo produzido para crianças. Isso justifica o fato do infantil representar um dos principais públicos de plataformas de vídeos e vermos cada vez mais influencers mirins

Dessa forma, é cada vez mais comum a mudança de posição de espectadores para protagonistas de seus próprios vídeos. E não tem idade! Há crianças que sequer saíram das fraldas e já acumulam um número astronômico de seguidores, alguns inclusive, ganhando dinheiro com isso. 

O fato é que, sendo ou não considerada a profissão do futuro (ou do presente), deve-se considerar que o trabalho infantil é expressamente proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, quando falamos em crianças há de se atentar se a prática e as horas dedicadas para a gravação de vídeos não viola seus direitos. Principalmente pelo brincar, legal e cientificamente entendido como necessário para o saudável desenvolvimento dos pequenos e pequenas.

O acesso à internet desde cedo

Verdade seja dita, nossas crianças estão acessando a internet cada vez mais cedo. De acordo com pesquisa realizada pela CETIC.BR TIC Kids Online Brasil, em 2019, jovens com 17 anos tiveram o primeiro acesso com mais de 12 anos, enquanto crianças de 9 a 10 anos, tiveram seu primeiro acesso antes dos 6 anos.

As crianças possuem uma habilidade ímpar com a tecnologia, que nenhum adulto, exceto os que lidam diretamente, ousaria duvidar ou discordar.  

A TV é considerada coisa do passado. Agora o lance é vídeo nas diversas redes sociais existentes. Protagonizados por quem? Em grande parte das vezes, por pessoas “comuns”.

Por exemplo, Isabel Peres Magdalena, mais conhecida como Bel, nasceu em 17 de março de 2007, no Rio de Janeiro. A carioca começou no YouTube participando do canal Penteados para Meninas, de sua mãe, e atualmente tem seu próprio canal, que é um fenômeno de audiência. É importante ressaltar que Bel vai para a escola à tarde, enquanto as gravações para o seu canal são feitas pela manhã.

Já Nicole é do Rio de Janeiro e divide com a irmã Melissa o canal Planeta das Gêmeas desde 2015. Os vídeos mostram as rotinas das gêmeas, incluindo brincadeiras com bonecas e esquetes de humor. Há poucos anos, Nicole e sua irmã viralizaram no YouTube com um vídeo onde a dupla toma vacina.

Identificação com pessoas comuns

Aliás, como sempre digo aos pais e percebo isso “na pele”, são os novos amigos dos nossos filhos. A abordagem do conteúdo soa tão familiar, tão intimista que você chega a ficar na dúvida se aquela criança ou adolescente que aparece na tela não é seu sobrinho, filho de alguma amiga ou vizinho. 

Então, essa nova celebridade fala tudo o que vem na cabeça sem pudor nenhum. Com isso, o brincar vira coisa séria, o abrir um brinquedo um negócio, fazem bonecos parecerem bebês, seus pais parecerem artistas, sua casa é a cidade cinematográfica, desinfetantes parecerem vitamina, fogo parecer não queimar e até colocam a vida em risco por uma grande diversão. Porém, algo não muda. Nossas crianças continuam em condição peculiar de desenvolvimento e apesar de dominarem as NTICs (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação) são imaturas e carecem de orientação e direcionamento. 

O que a lei diz a respeito?

De acordo com a legislação civil, os pais cumpre o dever de criar e dirigir a educação de seus filhos. Isso implica em, inclusive, observar sua condição peculiar do ser em desenvolvimento e evitar que quaisquer de seus direitos sejam violados. Não por acaso, o artigo 3° do Código Civil estabelece que são absolutamente incapazes os menores de 16 anos. 

Primeiramente, é indispensável lembrar que o brincar contribui para o desenvolvimento harmonioso da criança. A internet traz sim muitas oportunidades, mas também tira e precisamos estar atentos a isso, porque sozinhas, crianças não conseguem encontrar este equilíbrio.

A legislação brasileira reconhece ainda o direito de brincar, tanto na Constituição Federal (1988), artigo 227, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990), artigos 3º, 4º. Além disso, o artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança, reconhece o direito que cada criança tem de descanso, lazer e gozar de atividades recreativas livremente. 

Logo, seria uma falácia não reconhecer que uma criança que passa 6, 7 ou 8 horas do seu dia gravando vídeos para postar nas redes sociais, não estaria tendo parte de seu direito violado. 

Contudo, não é incomum ouvir de alguns pais: “meu filho se diverte enquanto grava, ele gosta, se sente bem, se satisfaz …” e eu acredito, de verdade. Mas, a primeira pergunta que devemos fazer, é: O que está deixando de fazer durante essas longas horas de tela e gravação? Será que seu tempo está sendo adequadamente distribuído? 

Outro questionamento importante: É por prazer ou já sedento por likes? Prazer ou já ansioso por atrair a atenção de patrocinadores e fãs? Prazer ou já fazendo planos com a possível monetização de seus vídeos? Monetização? Opa! Sim, muitos dos influenciadores mirins exibem em seus vídeos diversos produtos, que vão de brinquedos a roupas, materiais escolares, entre outros e são “remunerados” por isso. Outra prática bem comum nos vídeos da molecada é o chamado “unboxing”, em que se filma a abertura da embalagem de um produto novo, mostrando em detalhes seus itens e características, também sob contrapartidas financeiras ou oferta gratuita dos próprios produtos. 

Mas, afinal, como é a relação familiar?

É claro que não falta amor nesses pais! Falta mesmo informação e orientação sobre os riscos desta demasiada exposição. Assim como informação sobre o poder de disseminação e perpetuidade de um conteúdo na web, reflexão sobre a possibilidade desta “mini celebridade” um dia crescer e não gostar dos rastros que criou ou permitiram que fossem criados. 

Enfim, como dizem, não adianta tentarmos remar contra a maré. Gravar seus próprios vídeos, vê-los editados, aparecer na telinha, “brincar” de celebridade é mesmo muito divertido. Porém, apesar disso, as palavras de ordem devem ser: orientação e direcionamento para que aprendam a fazer do jeito certo e seguro, temperança no tempo que se dedica, bom senso sobre o que se grava e onde pública, atenção quanto às informações que divulga e pensamento crítico quanto às possíveis repercussões que o vídeo pode gerar, hoje e/ou no futuro. 

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Alessandra Borelli

Alessandra Borelli

Advogada atuante no Direito Digital, sócia e CEO da Nethics Educação Digital, colaboradora dos Manuais de Orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria, autora do Manual de Boas Práticas para Uso Seguro das Redes Sociais da OAB/SP, e outros livros, artigos e cartilhas relacionados ao tema. Alessandra é nossa autora convidada e seus textos não refletem, necessariamente, a opinião do Blog PlayKids.
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