Precisamos tomar cuidado na forma de falar com as crianças

set 3, 2021 | Família

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Você provavelmente já ouviu a frase “Meu filho é um perigo!” de alguém ou até mesmo usou para se referir ao seu filho. Essa frase, nada mais é do que uma metáfora, com a qual comparamos as crianças ao risco de acontecer alguma desgraça. O perigo não é a criança em si mesma, mas a possibilidade de fazer alguma coisa que a coloque em perigo. Usamos metáforas o tempo todo para nos expressar em nosso dia a dia, o que não tem maiores consequências quando somos adultos conversando entre nós. Compreendemos a diferença entre uma figura de linguagem e o mundo real. Sabemos que crianças são “fogo”, mas não queimam. Porém, precisamos tomar cuidado na forma de falar com as crianças.  

 Por que precisamos tomar cuidado na forma de falar com as crianças?

O perigo, abusando aqui da palavra, é usarmos essa maneira de falar, com metáforas, quando conversamos com os pequenos. Crianças não são indivíduos prontos, mas em formação. Ainda estão se construindo, em inúmeros aspectos físicos e mentais. E certas frases que usamos com elas, são entendidas de maneira bem diferente do que imaginamos.

 Assim como aprende a levar uma colher à boca ou a se vestir sozinha, a criança também está aprendendo o significado do que ouve. É necessário aprender uma sequência de movimentos refinados para ter sucesso ao vestir um casaco, por exemplo. E o mesmo se dá com o entendimento de complexas interações com o mundo e com a sua própria identidade, como indivíduo.

É claro que todas as crianças são diferentes. Algumas mais curiosas, outras mais apressadas, outras com menos habilidades motoras ou mesmo com diferentes níveis de atenção. É fundamental ter consciência destas características em nossos filhos para ajudar a educá-los ou mesmo para livrá-los de perigos.

Dizer para a criança que ela é um perigo, que ela é desastrada, distraída ou qualquer qualificação que a defina, é cruel e limitador. É o que hoje muitos educadores chamam de “rotular”. O que normalmente entendemos como uma simples crítica ao seu comportamento, é muito mais do que isso. O efeito resultante, observado por grandes educadores, como Maria Montessori, é terrível.

Quais são os efeitos?

Uma criança rotulada tende a se adequar ao rótulo, acreditando que isto é o que ela é, o que é esperado dela e aceito. Não resolve nada e o comportamento que originou este rótulo tende a ser repetido. Os adultos, por sua vez, também tendem a perpetuar esses rótulos, tornando-os definitivos, sem levar em conta todas as capacidades da criança, inclusive de trabalhar para mudar estas mesmas amarras.

 Se enganam aqueles que pensam que rótulos positivos trazem efeitos positivos, como chamar a criança de quietinha, obediente ou comportada, aproveitando que o tema aqui é a segurança. Estes rótulos, aparentemente positivos, são fonte de sofrimento, uma vez que não faz parte da natureza da criança permanecer sempre quieta e muito menos conter todos os seus desejos e vontades.

Ao não conseguir corresponder às expectativas que o rótulo criou, a criança se frustra e acredita decepcionar os adultos que acreditavam justamente no rótulo imposto a ela. Muitas vezes, ficam de tal forma interiorizadas, que carregam essas frustrações para a vida adulta, necessitando anos de terapia para se libertarem delas.

 O que fazer então? O primeiro passo é ter consciência disso. Não rotule!

 Ao decretar que “Aninha é desatenta”, tiramos dela a oportunidade de ser algo além disso. Não resolvemos o problema de sua falta de atenção e ela passa a aceitar isso como um traço de sua personalidade, que não pode ser mudado.

Ao mesmo tempo, não enxerga que rótulos nunca são uma verdade absoluta e que essa sua falta de atenção pode e deve ser trabalhada, inclusive por ela mesma. Aninha não é desatenta, apenas foi desatenta em algumas determinadas ocasiões. O que deve ser enfatizado e trabalhado com Aninha, são as consequências da desatenção. É o exemplo comum do copo derramado.

A consequência da desatenção foi sujar a mesa. Dar um pano para que a criança limpe a mesa já a ajuda a construir o entendimento de que deve prestar mais atenção ao manusear o copo. Ao mesmo tempo, mostra que ela pode resolver o problema sozinha, limpando a mesa. Ou seja, precisamos ter cuidado na forma de falar com nossas crianças e não rotulá-los. 

 O perigo não está na criança teimosa, distraída ou desobediente. O perigo é não enxergar que criar filhos felizes e seguros é caminhar junto com eles, ajudando-os a aprender como o mundo funciona e oferecendo oportunidades para que desenvolvam plenamente todas as suas inúmeras capacidades, sem as amarras dos rótulos.

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Laíse Rodrigues

Laíse Rodrigues

Laíse Rodrigues é co-criadora do personagem Angelino, mãe de Danilo e Susana, formada em educação artística pela USP e autora de livros infantis.
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